quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Negrito

Existem pessoas complicadas, eu certamente sou uma delas devido à quantidade amontoada de parvoíce numa só pessoa, isto bem dividido dava para distribuir esta insanidade idiótica por 4 ou 5 pessoas de forma saudável, mas até eu fico sem palavras em certas situações.

Estou na oficina, a fazer óculos, descontraído, quando entra a colega a dizer " é pá ó Ricardo vai ali atender aquele que ele a ti não te conhece" e eu mesmo desconfiado que estava a ir na direcção de uma armadilha, falou mais alto o meu espírito aventureiro e fui sem hesitar.

Deparo-me com uma ilustre figura masculina já nos seus 50, cara rosadinha e nariz igual ao do super mário, e vestido à aldeão agricultor, de tal maneira que deixou um rasto de terra por onde passou.
Mas a maior curiosidade sobre ele era  o facto de estar a segurar num negrito. . . .



Eram 10 e pouco da manha e o homem estava com uma postura que descrevia um angulo agudo e a mastigar num negrito perguntou: 
-" esta ai a sandra?" 
respondendo com veracidade (ou achava eu) disse:
-"Neste momento não."
-"Haa.  . . é que eu sou vizinho dela" informação extremamente interessante
-"Se quiser posso deixar um recado ou pedir que o contacte"

-"naa" diz ele enquanto abre as pernas em jeito de tripé para manter o equilíbrio
-"Posso ajudar em mais alguma coisa?"

-"estou a ver mal ao perto" responde o senhor com os botões do fundo da camisa desabotoados que revelavam a pelugem da barriga, barriga essa que não escondia os anos de ingestão de cevada

-"Deseja marcar uma consulta?" pergunto eu mantendo uma postura profissional
-"Na! Deixe estar que eu vou ali aos chineses"
A postura profissional de outrora foi substituída por um levantar de sobrancelha tão grande que até a minha testa ganhou rugas.

Enquanto tento elaborar uma resposta, o meu cérebro depara-se com a pergunta do "porquê?" porque é que ele se deu ao trabalho de vir até aqui então? 
A constante oscilação da parte superior do corpo da criatura assim como o tom avermelhado do rosto sugeria que o mesmo estivesse alcoolizado. . .às 10 e pouco da manha . . 

Antes de poder responder, o excelentíssimo volta a disparar outra pergunta :
-"És daqui ?" mas desta vez disparou mais que uma pergunta!

No decorrer deste dialogo o negrito têm sido a principal fonte proteica deste homem, enquanto discursava varias eram as mordidelas dadas no dito pedaço de charcutaria. 
Falar e mastigar ao mesmo tempo eram acções simbióticas para este adepto de enchidos. Impensável era a ideia da larica impedir o discurso tão eloquente com que este senhor me brindava.

Dito isto, um pedaço enorme de negrito é projectado, em jeito de morteiro para cima do balcão...Meus amigos, uma coisa é gafanhotos, outra coisa é um pedaço gigantesco de charcutaria mastigada a sobrevoar o espaço aéreo da óptica e aterrar no balcão criando uma zona de impacto repleta de saliva. . 

Os meus olhos inevitavelmente focam no meteorito de carne, e o aparato chamou também a atenção deste cavalheiro, eu respondo sem tirar os olhos do acontecimento :
-"Não, sou de Leiria." E o senhor desvia o olhar da secreção de negrito para mim, e eu olho-o nos olhos, depois volto a olhar para o fragmento de negrito para ele ter a certeza que eu notei. . .

Mas este pensionista continua com a conversa, indiferente à projecção de charcutaria e consequente naco de enchido salivado no balcão :
-"Leiria Leiria ou arredores?"
Passado mais um bocadinho de conversa fiada abandona o estabelecimento, e descubro que ele chama a todas as funcionárias de Sandra . . .tendo elas os nomes todos diferentes . ..  ficando eu sem saber a qual delas ele se referia e vislumbrando o rasto de terra e o mítico pedaço de negrito que me cabia a mim limpar.

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